De volta ao Brasil Colônia
Indo para o aeroporto de Lisboa hoje de manhã, observava as semelhanças da capital com a minha cidade natal, o Rio de Janeiro. As ladeiras infinitas e subidas íngremes me lembravam Santa Teresa e as construções antigas, o centro do Rio. Lisboa é tão parecido com a cidade maravilhosa e tão acolhedor, que a saudade de casa bateu.
E por falar em passado, a madrugada do meu sábado foi uma volta à 1500. Infelizmente, não posso descrever minha experiência como uma nostalgia ou uma saudade, e sim como um episódio de puro preconceito. Não havia índios nem descobrimento, também fizeram falta D.Pedro e Pero Vaz de Caminha. O passado me foi remetido devido a mentalidade alheia.
Eu esperava minha vez para ser atendida em uma carroça de hamburger após uma festa. Assim como me foi ensinado, fui para o fim da fila e aguardava ansiosamente a minha vez. Mexia no meu celular já que meus amigos me esperavam do outro lado do estacionamento. Para a minha surpresa, uma jovem tentava desesperadamente entrar do outro lado e passar na frente dos que esperavam a comida na chuva. Sem escrúpulos, ela berrava para ser atendida. Minha intenção não era causar confusão. Estava cansada e queria ir para casa. Resolvi olhá-la para que a dita cuja percebesse minha desaprovação com a sua atitute e, corretamente voltasse para a fila.
Na minha hora de pedir, olhei para o dono da carrocinha e ele pegou o meu pedido. O homem já havia entendido o que se passava ali. A menina porém, gritava e afirmou que eu havia passado na sua frente. Tentei manter a calma e disse que a fila se formava do outro lado enquanto apontava para as 7 pessoas que esperavam a vez atrás de mim. Ao perceber que eu era brasileira, Matilda ( descobri o nome por acaso) começou a tentar imitar o meu sotaque e afirmou que, por eu não ser de Portugal e não frequentar semanalmente a boate, ela tinha preferência. Para fechar com chave de ouro , seu discurso xenófobo e eurocêntrico, também tive que ouvir que no Brasil se falava “brasileiro” e que a cultura portuguesa era melhor que a minha.
Minha paciência e calma durou até esse momento. Ela ria do meu sotaque e dizia que eu não era bem vinda no local e em seu país. “Brasileiro não é europeu!” Nesse momento, abri minha bolsa, ri e mostrei minha carteira de identidade portuguesa. “Tenho tanto direito de estar aqui quanto você. Somos compatriotas, olha que legal! Somos iguais!” Eu sorria de ponta a ponta.
A menina brigava, gritava e disse que “isso não significava nada” e que não me tornava portuguesa ou bem-vinda em seu país. Enquanto isso, eu pensava em crianças gritando em lojas de doce pedindo balas. As semelhanças eram gritantes apesar da diferença de idade. A birra durou aproximadamente 5 minutos com direito à ameaça de levar uma surra de uma compatriota raivosa e de xingamentos ao Brasil. O menino ao meu lado observava horrorizado, assim como o dono da carroça. Pedi educadamente para Matilda não se aproximar e sugeri a leitura de um livro ou até mesmo uma consulta na internet. Minha exaltação ficava cada segundo mais aparente. Sugeri então para que Matilda voltasse para 1500 ou até mesmo para 1933 no caso de não se lembrar de uma viagem tão longa no tempo. Ela ignorou, não devia conhecer eventos importantes ocorridos nas respectivas datas.
Já havia vivido episódios de preconceito antes, mas nunca de um jovem e nunca em Portugal. Encontrei tantos brasileiros trabalhando e buscando uma vida melhor, que pensava que éramos todos bem-vindos. Estava errada. Matilda deve ter lá seus 20 anos e, aparentemente desconhece a globalização, a União Europeia, faltou às aulas de história e me parece viver em um povoado afastado apenas com portugueses nascidos em Portugal. “Raça pura portuguesa?” “Portugal para portugueses?”
A mentalidade colonial e imperialista, para a minha surpresa, ainda é forte. O sentimento de superioridade ainda sobrevoa cidades cosmopolitas europeias como Londres, Lisboa, Munique e Paris. Assustador é ver que não é só na política e que nem todos tem medo dos discursos de extrema-direita que apoiam a xenofobia, segregação e a supremacia europeia/branca. Naquela madrugada não voltei de caravela, mas me transportei para 1500 .
PS: Para completar, quando comprou seu cheeseburger, Matilda foi até minha roda de amigos cantar o sucesso. “ Marinaaaaaa, olha o que consegui compraaaaaaaaar!!!!! Vitória de Portugal!!!!!”
Eu gostaria de estar brincando.