top of page

Mais um 7x1 Alemanha

Apesar da derrota da Alemanha ontem nas semifinais para a França, me deparei com um tipo diferente de vitória do país. No intervalo, já desesperançosa com o primeiro gol da França, voltei com uma amiga correndo para casa para pegarmos casacos. Nos apressamos, subimos as escadas correndo com um objetivo único. Tínhamos apenas 10 minutos até o início do segundo tempo. No caminho de volta, continuamos correndo até que uma cena me chamou a atenção. Em um ponto de ônibus com uma iluminação um pouco falha, havia uma cadeira de rodas virada de lado com um homem caído ao seu lado no chão frio. Em seguida, gritei para a minha amiga esperar e mostrei a cena. O homem murmurava palavras que eu não conseguia entender pois estava com um cigarro na boca e aparentava estar embriagado. Nesse momento ela me perguntou se deveríamos ajudá-lo e disse que não sabia, apesar de ter dado um passo em sua direção com a mão estendida. Porém, o homem era enorme e nunca aguentaríamos seu peso sozinhas. Começamos a gritar para que meninos do outro lado da rua nos ajudassem a levantá-lo e depois para outro grupo fazer o mesmo. O homem, molhado de cima a baixo, se mostrou grato mas não disse nada. Depois de ter pego seu boné do chão, agradecido aos que nos ajudaram e de ter oferecido uma ligação para um serviço de ambulância ( com direito a alimentar a curiosidade alheia dos que passavam), eu e minha amiga seguimos correndo para o segundo tempo do jogo. Para mim não houve segundo tempo. Aquela cena se rebobinava na minha cabeça como uma fita quebrada.

Como assim eu não sabia se deveríamos ajudá-lo? Pensava nisso e repensava. Repetia a cena do homem em minha cabeça e agradeci minha amiga por ter me convencido a ajudá-lo. Durante o jogo, perguntei se ela também havia sentido medo em um primeiro momento. Ela, prestando mais atenção no jogo do que em mim, me olhou confusa: "Medo? Por que eu sentiria medo?" Pensei em tanta coisa que não sabia nem por onde começar. Era homem. Estava de noite. Estava escuro. Poucas pessoas na rua. Corre, Marina! Nós mulheres estamos tão acostumadas a evitar situações como essa, que o medo acaba falando mais alto em um primeiro momento. Isso aconteceu comigo.

Estou tão acostumada em seguir andando quando estou sozinha na rua e ignorar cantadas ou até mesmo papo furado de pessoas estranhas, que minha reação ali foi natural. O homem, apesar de estar imóvel, continuava sendo um homem. E eu continuava na rua com apenas uma pessoa ao meu lado, uma amiga. Como mulher, principalmente sendo brasileira, acho que o meu medo é compreensível. De acordo com o IPEA, a cada 11 minutos uma mulher é estuprada no Brasil. Os números porém, podem ser ainda maiores, já que nem todas denunciam casos de abuso sexual.

Meu medo do que poderia acontecer falou mais alto do que a minha iniciativa de ajudar alguém que precisava de mim num ato de simples solidariedade . O problema da violência contra as mulheres toma então uma dimensão muito maior, afetando as relações sociais em vários âmbitos diferentes. A cultura do medo vivida por nós acaba virando um pré conceito e uma aversão ao sexo masculino em situações como a vivida por mim ontem e se torna um reflexo automático.

Se não tivéssemos ajudado ele a sentar-se na cadeira de rodas, será que outra pessoa o teria feito? Será que outras pessoas antes de nós também viram a cena e agiram do mesmo jeito que eu teria agido e deixaram o medo tomar conta ? Ao voltar para casa, lá estava ele de novo. Deitado em um banco do ponto de ônibus sozinho, o homem dormia no frio . Enquanto isso, eu talvez a menos de 1km de distância e também já deitada, ainda penso nele e no acontecido de ontem. Imagino que para ele, não tenha sido nada demais e que nem se lembre do que aconteceu quando acordar. Para mim, esse episódio vai ficar marcado como exemplo de coragem e estímulo para outros episódios como esse. E tomara que não precise de ninguém ao meu lado para agir simplesmente de acordo com minha consciência...

RECENT POST
bottom of page